Por Bernardo Farias
Músico e musicólogo paraense

RESUMO

Este estudo se preocupa simplesmente em iniciar um caminho que nos leve a uma faceta ainda muito esquecida da expansão da música caribenha: a sua influência no norte do Brasil, mais especificamente no contexto do Estado do Pará, a partir do desenvolvimento do Rádio na região norte. Para tal intuito, adoto como fonte norteadora as declarações de dois importantes nomes do meio artístico local: João de Jesus Paes Loureiro e Rui Barata.

INTRODUÇÃO

Esse artigo surgiu de minha inquietação diante de um certo desconhecimento e descaso que, em geral, existe em relação as especificidades da cultura musical amazônica. Há aspectos da cultura musical desta região que ainda são pouco estudados e; por isso, vêm impedindo uma compreensão mais ampla da identidade amazônica. Tal sonegação parece evidente no que tange a influência de culturas que não fizeram parte da formação inicial do povo brasileiro, ou seja – índios – negros – brancos, mas que nem por isso deixam de ter grande relevância em outros momentos de nossa história.

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Trata-se de um conjunto de elementos culturais que, por várias circunstâncias historicamente determinadas, fizeram parte da construção identitária dessa região. Porém, a sua exclusão vem notadamente tornando bastante problemática a idéia de uma unidade amazônica. Essa suposta força de representação homogênea da cultura Amazônia abarcaria uma certa gama de expressões culturais de nossa população e criaria um limite absoluto do qual forças externas não deveriam ultrapassar.

O que poderíamos falar, por exemplo, das marcas deixadas pelos nordestinos na cultura paraense? Já que as marcas culturais deixadas por essa população migrante vão se fazer presente no cotidiano do povo amazônida. Ou, mais especificamente, dos traços deixado pela música nordestina no Pará?. Ou, das especificidades deixadas pelos povos imigrantes que por aqui já vieram? Ou mesmo, dos povos que por aqui nunca vieram, mas que mesmo assim de muitas maneiras contribuíram em nosso trajeto histórico-cultural, como é o caso do tema em questão nesse artigo. Se pensarmos que mesmo um tema que já goze de uma ampla bibliografia de estudos acadêmicos não se livra do inconveniente de encontrar pontos falhos que necessitam de aprofundamentos, teremos então a noção exata do nosso atraso diante da presente temática. Talvez, ainda tenhamos dificuldade em responder inúmeras perguntas, mas de qualquer modo, tratando-se de Brasil e de Amazônia, o reconhecimento da pluralidade, na qual alicerçamos nosso modo de existência, é fundamental para uma abordagem inicial.

Desta forma, então acreditamos que o fenômeno da música caribenha no Pará consiste também em uma dessas fontes reveladoras que podem nos levar a um entendimento mais completo da identidade cultural da Amazônia. Além de ter se desenvolvido bastante nos EUA, entrando em contato com o Jazz, e, na Inglaterra, em contato com o movimento Punk, notamos que devido à presença peculiar do rádio na Amazônia, a música caribenha chegou também com grande força no Norte do Brasil, deixando uma marca peculiar na produção musical do Estado do Pará. A influência Caribenha foi absorvida pelos compositores paraenses e passou a ser reinterpretada de diversas formas, tornando-se mais um elemento formador dos gêneros musicais da região. Seja no Brega, no Carimbó, na Lambada ou na Guitarrada, sempre percebemos os elementos musicais originários da música caribenha.

Em uma entrevista, concedida à revista Show Bizz, edição de abril de 1998, Chico Buarque faz o seguinte comentário: “Gabriel Garcia Márquez, que foi um dos que me convidaram quando fui pra Cuba pela segunda vez participar do Festival Califiesta, defende a teoria de que o Brasil, da Bahia para cima, faz parte do caribe” (Bizz, abril, 1988)
Apesar do exagero da colocação, que certamente oculta todas as minunciosidades do desenvolvimento cultural da região Norte, é inegável que a teoria carrega consigo certo valor. Seria muito estranho não suspeitar que a proximidade entre a região Norte e a região caribenha nunca tenha engendrado algum tipo de influência de uma sobre a outra. No entanto, apesar desse fato tão evidente, até hoje pouco, ou quase nada, se estudou sobre a relação que as duas regiões mantiveram entre si e qual é a importância das resultantes culturais desse processo ao longo do século XX.

NOTANDO A PRESENÇA CARIBENHA

De fato, os estudos culturais na Amazônia nunca deram a devida importância à presença da música caribenha no estado do Pará. No entanto, quem se lança na busca por informações mais esclarecedoras percebe que, no bojo das reflexões feitas sobre a cultura paraense, encontramos algumas declarações importantes, indicadoras de que os fenômenos não passaram inteiramente despercebidos por alguns intelectuais e artistas da região. Damos como principais exemplos os comentários feitos pelo poeta e pesquisador João de Jesus Paes Loureiro e o poeta Rui Barata. Comentando o dinamismo da cultura amazônica, Paes Loureiro fala no seu livro, Inventário Cultural da Amazônia:

O rádio transistorizado foi o veículo das primeiras grandes transformações da produção e gosto na cultura amazônica. Não só porque a programação radiofônica não incorporava, a não ser em raros programas, a realidade cultural da região, como porque, no interior da Amazônia, ouvia-se mais as emissoras estrangeiras, principalmente do caribe, do que as regionais. Claro que pela presença da cultura negra na base da transformação do povo brasileiro, o terreno era fértil a essa assimilação. A merenguização do Carimbó e da Síria, e a invenção da Lambada, são exemplos expressivos disso. (LOUREIRO, s/d).

Em entrevista concedida ao Jornal Liberal. Rui Barata faz outro importante comentário:

Vivi numa época em que a radiofonia mal engatinhava no Brasil. No Pará tínhamos uma única emissora - Rádio Clube do Pará - que nos proporcionava os discos chegados do sul do país, e, sobretudo, programas de estúdio. Celeste Camarão, hoje esposa do Edyr Proença, brilhava cantando músicas do Waldemar Henrique e Gentil Puget, dois grandes compositores paraenses. No Recife havia a Rádio Clube do Pernambuco. No Rio a rádio Tupi, e no Rio Grande do Sul a rádio Farroupilha. Todas essas estações usavam as ondas largas, que nos chegavam com péssima recepção. O jeito era ouvir as estações do Caribe que ofereciam melhores audições. De tanto ouvir os ritmos caribenhos, o Pará acabou assimilando o merengue, que foi nacionalizado, entre nós, com o gostoso nome de Lambada.

Os comentários acima se revestem de grande importância, não apenas por constatarem a presença da música caribenha no Pará, mas porque apresentam outros pontos em comum dentro do amálgama de fatores que envolvem a questão. Tentando entender melhor a relação entre o Caribe e o estado do Pará, deteremos-nos em dois pontos principais. Apontemos logo as linhas delineadoras de nosso estudo: A primeira consonância encontrada nos dois discursos diz respeito a importância que o rádio teve no processo de formação do gosto musical paraense. E, vale dizer também que foi através desse canal que a música caribenha penetrou em terras paraenses. A segunda é a interessante ênfase dada ao Merengue, enquanto um ritmo que exerceu grande influência na música paraense.

A IMPORTÂNCIA DO RÁDIO

Parece que, quando nós debruçamos sobre o caso da música caribenha no Pará, fica muito claro que o rádio, por seu grande poder de alcance, foi o veículo de comunicação de massa que mais possibilitou o contato da região norte com outras fontes culturais. Este poderoso meio técnico moderno, inventado em 1886 por Roberto Landell de Moura (1861-1928), e popularizado no mundo a partir dos anos vinte, manteve com a música popular do século XX uma relação de grande proximidade, afetando consideravelmente o povo com sua função social. Com a ajuda do gramofone, o rádio conseguiu romper a barreira corporal da comunicação musical, levando a música ao alcance de grandes contingentes humanos.

No Pará o rádio chega nos últimos anos da década de vinte, graças ao pioneirismo da Rádio Clube que, em 22 de abril de 1928, começava a tirar a região do isolamento. A iniciativa de Roberto Camelier, Eriberto Pio e Edgard Proença fez com que a rádio Clube fosse a primeira emissora do Norte e a quarta do Brasil. (VIEIRA, RUTH e GONÇALVES, FÁTIMA, 2003)
Apesar disso, ainda que a iniciativa individual dos jovens desbravadores desse esse status vanguardista ao Pará, devemos doravante ressaltar que o desenvolvimento do rádio na região, assim como as mudanças propiciadas por este, também foi marcado pelas dificuldades que as dimensões continentais do Brasil sempre apresentaram. Consideramos esse fator geográfico importantíssimo.

Isolado, o Pará, apresentava um descompasso ante a evolução sócio-econômica do restante do país, um distanciamento que só foi atenuado com as políticas de integração dos militares nas décadas seguintes. O aparelho receptor era importado e custava muito caro, de modo que o poder aquisitivo da humilde população do Pará era limitado e incapaz de constituir um grande mercado consumidor de aparelhos de rádios nesse momento inicial. Os usuários do rádio eram raríssimos na capital e quase inexistentes no interior.

Vale lembrar que a luz elétrica só começaria a chegar em algumas regiões do interior em meados da década de 60. Por isso, a grande maioria dos aparelhos utilizados pela população interiorana, até esse momento, era a pilha ou a bateria. Mesmo assim, a então chamada PRC-5 (primeiro nome da emissora), com seu programa “Mensageiro para o interior”, cumpriu um papel importante, tirando do total isolamento boa parte da população interiorana.

No entanto, o rádio, que era usado quase que somente para conectar o interior à cidade, a partir da década de 40, passa também a figurar como um grande meio de entretenimento e lazer para os amazônidas. Essa mudança ocorre rapidamente, pois o rádio paraense que funcionava inicialmente de forma amadora e sem interesses comerciais, logo abandona essa fase se profissionalizando. Como as programações passaram a ser mais elaboradas e organizadas, os ouvintes que antes só utilizavam o rádio como meio de comunicação com a cidade, agora cresciam em número de usuários e passavam a apreciar a programação musical do rádio.

Nesse momento, com base nas informações já expostas, ao considerar o Rádio como o principal agente de transformação da produção e dos gostos culturais na Amazônia, poderíamos também, erroneamente, deixar cair, sobre este veículo, um olhar inteiramente negativista e redutor, tratando-o como o veículo invasor que se embrenha pelas matas virgens de nossa cultura e desta retira sem escrúpulos sua beleza, degradando assim todo o ambiente encontrado. Tal visão padece de uma unilateralidade atroz, pois pensa exclusivamente através da dicotomia clássica: cultura popular genuína X cultura de massas inautêntica, que, nesse contexto específico, assiste à perda de seus horizontes explicativos quando se transforma em uma redução arbitrária da esfera cultural ao desenvolvimento econômico. Por conseguinte, fica excluído o fato de que a cultura de base negra contribuiu enormemente para a assimilação dos gêneros caribenhos no Norte do Brasil e que a evolução de tais gêneros na região se deu antes por um processo de re-significação, tradução das informações musicais oriundas do Caribe, do que por uma via imposta autoritariamente por interesses comerciais.

As décadas iniciais do Rádio no Pará são marcadas por um atraso agudo da sociedade Paraense, inexistindo assim uma indústria musical que fosse naquele momento capaz de impulsionar e consolidar os gêneros caribenhos. Aliás, é por meio de um olhar atento a essa fase incipiente que as declarações de Paes Loureiro e Rui Barata revelam seu sentido, haja vista que são nas condições precárias, sobre as quais o rádio surge e se desenvolve, que identificamos o principal elo de ligação entre o Caribe musical e o Pará. A distância geográfica da região não era acompanhada de uma tecnologia suficientemente capaz de ligar com eficiência os usuários de rádio no Pará à programação das grandes rádios localizadas no Sudeste Brasileiro. Com isso, parece óbvio que para o usuário do rádio, principalmente a população do interior do estado, a opção pelas rádios caribenhas era a melhor alternativa ante tal adversidade.

NO RASTRO DO MERENGUE

Como já foi percebido nas duas declarações com as quais estamos trabalhando, existe uma convergência quanto à presença do Merengue em terras paraenses. E, é notório que os comentários supracitados enfatizam o gênero como fonte de influência em detrimento de outros possíveis ritmos caribenhos, tendo em vista que nenhum outro ritmo é citado pelos nossos interlocutores. De algum modo, isso nos leva a crer em uma certa predominância deste rítmo no estado do Pará.

Porém, o fato de que, além do Merengue, outros gêneros caribenhos como o Calypso, o Reggae, o Zouk, também tiveram penetração na mesma região, torna a busca da explicação para este fenômeno bastante intrigante e motivadora. Pois, diante do caldeirão cheio de ritmos que é o Caribe, da diversidade musical flagrante que esta região apresenta, indagamos: O que deu ao Merengue esse suposto privilégio no contato com as terras do Norte do Brasil?

É forçoso, nesse momento, atermos-nos em aspectos que consideramos importantes dentro da história do Merengue, pois somente seguindo sua linha evolutiva, desde seu nascimento até sua expansão no século XX, é que poderemos entender o destaque alcançado pelo gênero na região Norte.

Se há algo que até hoje possa ter marcado os estudos a respeito do Merengue, sem dúvida, são os resultados divergentes a que chegaram seus pesquisadores mais conhecidos. Isto atesta a notável capacidade do gênero em suscitar polêmicas e questões insolúveis. A despeito de todos os entreveros já ocorridos, devemos destacar, para a finalidade do artigo, que o principal ponto de discórdia se dá em relação às origens do Merengue no Caribe e que é partir de um olhar atento a esse debate que poderemos começar a compreender porque o Merengue tem a primazia na influência caribenha no Pará.

Nesta discussão, um dos poucos pontos em comum entre a maioria dos historiadores diz que as primeiras informações a respeito do Merengue surgem entre meados da década de 40 e início da década de 50 do século XIX em Santo Domingos, atual República Dominicana. Parece ter sido em 1854, com o artigo de Eugenio Perdomo, publicado no Jornal “El Oasis” , que se falou pela primeira vez no ritmo Caribenho. O artigo, que tratava-o com um tom pejorativo, falava de um baile que possuía uma dança dotada de uma sensualidade imoral, mas que vinha se popularizando cada vez mais nas camadas pobres e negras em Santo Domingos.

Não nos deixando levar por essa aparente concordância, citamos como o conhecido músico dominicano Luis Alberti definiu o Merengue: ‘É uma mescla do Espanhol e de nossas tonadas¹ camponesas do interior’( O Merengue,2007). Na visão de Alberti, o Merengue não apresenta nenhuma origem na cultura negra trazido pelos africanos à América. Outra tese polêmica é a do folclorista dominicano Fradique Lizardo, na qual defende a idéia de que o baile teria sua origem entre os anos de 1631 e 1700, quando teria chegado à ilha de Santo Domingos a tribo africana Bara.(LIZARDO,1998)

Até o musicólogo Cubano Alejo Carpentier não se omitiu sobre caso, apresentando sua própria visão. Carpentier defende que já se conhecia a dança antes da chegada dos “negros franceses”, os quais imigrariam para Cuba devido a ação dos movimentos insurrecionais nos anos de 1790 em Santos Domingos: ‘Porém, [o merengue] estava muito confinado nos barracões de escravos, já que só passou a música dançavel depois da imigração dominicana (de 1707). Na vizinha ilha, em troca, sua presença era tão ativa que poderia se comparar com a contradança’ (MATOS,2007), escreveu.

Percebemos com isso que a presente discussão constrói em sua volta um emaranhado de opiniões diversas e antagônicas entre si. Porém, mesmo assim, enxergamos a formação de uma polarização através de dois blocos majoritários que, mesmo superficialmente, podem ser divididos em duas categorias essenciais. Se por um lado existem aqueles que reivindicam a paternidade do gênero pra um determinado país caribenho (em geral o país do próprio pesquisador), destacamos também aqueles como Julio Alberto Hernandez que se encontram cansados de não achar respostas plausíveis, abstendo-se de tal luta e resignando-se ao mistério. ‘A origem do Merengue se perde nas brumas do passado’ (MATOS,2007).
De outro modo, porém, esse mal-estar que acomete os estudiosos do Merengue poderia ser entendido inconveniente reflexo de seu próprio caráter transnacional. Raros estudos sobre o Merengue consideram sua dimensão para “além das fronteiras” do ritmo. Os estudos ganhariam mais vida e significado se buscássemos antes uma compreensão mais ampla do seu percurso histórico do que somente supostos dados incontestáveis utilizados como comprovantes de paternidade. O mais seguro afirmar é que o Merengue, mesmo sendo considerado, nos dias de hoje, a música nacional da República Dominicana é um gênero de origem caribenha que conseguiu ao longo de sua história ser bem acolhido por diversos países da América do Sul e do Caribe.

O MERENGUE NO SÉCULO XX

Mesmo com seu notório caráter transnacional adquirido em seu nebuloso e controverso percurso dentro da história caribenha, é chegado enfim o momento em que o Merengue encontra seu autêntico lar se tornando, a partir do século XX, um elemento indissociável da cultura de um determinado país.

A consolidação do Merengue como símbolo nacional da República Dominicana é marca indelével, cujo significado faz franca oposição a sua fase anterior, caracterizada por proibições e desprezo pelos setores dominante da sociedade. Nesse capítulo da história Dominicana, o ritmo passou a ser cultivado sem barreiras abrangendo toda a sociedade.
Para tratarmos esse fenômeno, sem cometer o erro comum de debitar tal feito exclusivamente a figura do General Rafael Trujillo, devemos colocar luz sobre os acontecimentos anteriores a chegada de Trujillo ao poder em 1930.

Nas décadas iniciais do século XX, o Caribe, que sempre foi uma região privilegiada, do ponto de vista econômico-estratégico, via-se no caminho dos interesses geo-políticos norte-americanos. Quando a República Dominicana entrou em um momento de intensa crise econômica, os “vizinhos ricos” do Norte tiveram uma boa oportunidade de efetivar seu plano de expansão sobre a ilha. Atolado em dívidas, o país foi obrigado, em 1905, a fim de manter sua estabilidade econômica, a negociar o controle de seu sistema de alfândega em troca da quitação de suas dívidas. Para os americanos, que naquele momento precisavam garantir a proteção do Canal do Panamá, o acordo constitui um ótimo negócio, porém, para os dominicanos, ficou o ressentimento de ter sua soberania ferida.

Quando em 1916, marinheiros norte-americanos desembarcaram no país a fim de iniciar a ocupação militar, criou-se um ambiente de grande tensão, movido pela insatisfação de toda população dominicana. Os dominicanos, mesmo sendo fracos, em termos de força militar, não tardaram a criar diversas formas alternativas de resistência à estadia americana em suas terras. As classes médias e altas fomentaram uma campanha na imprensa para colocar a opinião pública internacional contra a ocupação; no leste, de forma mais violenta, uma guerra de guerrilha foi deflagrada por grupos de camponeses revoltados.

Podemos dizer, foi primeiramente no calor dessa luta popular, nessa tentativa de criar-se uma atmosfera hostil aos “hóspedes” indesejados, que o Merengue começou a ganhar o status de símbolo da cultura nacional dominicana. Neste contexto de instabilidade, em que a sensação de estar sendo invadido permeava todas as camadas sociais, o Merengue foi eleito a face da cultura popular que melhor poderia expressar e auto-afirmar a identidade daquele povo ante a ameaçadora presença americana. Até mesmo as classes altas, que outrora olhavam com desconfiança ao baile, adotaram também o merengue como uma forma de expressar seu nacionalismo.

Após oito anos, a ocupação americana chegaria ao fim, deixando, como saldo, transformações importantes para o desenvolvimento futuro da sociedade dominicana. Como veremos a seguir, o ditador Rafael Trujillo soube se valer muito bem das bases assentadas nesse momento. Destacamos aqui duas marcas deixadas, as quais consideramos fundamentais ao nosso estudo. A primeira é o forte sentimento nacionalista que o Merengue acabou por firmar onde já figurava como um elemento central. A segunda é a instalação do sistema de comunicação de Rádio e telégrafo.

Com a retirada das tropas americanas, abriu-se um imenso vácuo de poder no país. Trujillo, que a essa altura exercia grande influência dentro das forças armadas, teve a oportunidade de ascender como líder político nacional. Ao assumir a presidência em 1930, Trulillo realizou uma campanha eleitoral por todo território dominicano. Esse período foi marcado por forte repressão e violência. Eliminação de líderes regionais, perseguição a opositores e manipulação dos resultados das urnas eram medidas que pertenciam ao amplo plano de poder que começara a ser efetuado. No entanto, um fato importante deve ser ressaltado: Trujillo não limitou sua política a tais medidas repressivas. Ainda havia a necessidade de obter o apoio da maioria da população que estava localizada nas áreas rurais do país. Então, de forma perspicaz, Trujillo levou a cabo uma estratégia que se revelaria uma poderosa arma política de manutenção do Status Quo. Muito semelhante ao que ocorreria no Brasil no governo Vargas, Trujillo faz uso político-ideológico da cultura popular.

Dentro desse plano, fez-se, da estética rural, o grande símbolo da identidade nacional, encontrando no merengue a música apropriada a servir como símbolo nacional. Vislumbrou-se, nas propriedades de improvisação do Merengue, uma forma de fazer propaganda do governo, cultuando a figura do General. Os melhores Merengueiros e as melhores bandas perderiam totalmente sua autonomia passando a ser compelidas a agir de acordo com os interesses do governo. A era Trujillo parecia vir pra ficar.

Com isso, então, os veículos de comunicação de massa assumiram um importante papel na política cultural de Trujillo, tornando-se responsável pela grande propagação do merengue. Desde a época de Frank Hatton², guerreiro, e Manuel Emilio Nanita³, os quais tiveram uma atuação formidável, ampliando o sistema nacional de telecomunicações, os veículos de comunicação vinham passando por um crescente processo de modernização e desenvolvimento. Gradativamente, novas rádios surgiam, trazendo consigo, além de inovações tecnológicas, o aumento do poder de alcance das frequências radiofônicas.
Trujillo se aproveitou muito bem dessa época de vanguarda tecnológica, especialmente no que diz respeito as rádios, com as quais estabeleceu uma relação de manipulação e de permanente controle. Algumas rádios se destacaram bastante nessa época. Citamos aqui, como exemplo, as três principais: a HILS, fundada em 1932, na cidade de Porto Prata pelo Sr Sarnelly; a HIN, conhecida como “La Voz del Partido Dominicano”, fundada em 1935; e, finalmente, a famosa “La Voz del Yuna HI1U “, que após ter sido fundada em 1942, por José Arismendi Trujillo Molina, torna-se, em 1947, a rádio estatal “La Voz Dominicana”.( VERAS, 2007)

Com novo nome e agora sob a administração do irmão do General, Petán Trujillo, a rádio foi muito importante, pois consolidou definitivamente a aceitação nacional do Merengue, que chegava a ocupar quase todo o espaço da programação musical. Petán controlava todos os músicos e grupos que passavam pelo seu estúdio de gravação, chegando, na época, a impor até o padrão de gravação ao vivo como o único permitido.

O controle ferrenho e autoritário gerou um alto grau de insatisfação em boa parte dos músicos dominicanos. Nesse período, muitos resolveram sair do país migrando à Porto Rico e à Nova York, dando início a primeira fase da expansão do Merengue fora da República Dominicana. Apesar disso, parece que essa esta etapa da história dominicana se caracterizou mesmo pelo seu êxito na implementação de uma política cultural que tinha o Merengue como principal instrumento de propaganda.

CONCLUSÃO

Esperamos que o artigo tenha dado sua contribuição dentro dos parcos estudos existentes sobre a relação entre a região Norte brasileira e o Caribe. Tal artigo tentou esclarecer as vias de ligação entre duas regiões tão próximas e tão distantes ao mesmo tempo. A cada nova revelação, sentiamos-nos descobrindo, enfim, a verdade sobre aquele antigo vizinho, com o qual nos comunicamos cotidianamente, mas que conhecemos ainda tão pouco.

Seguindo a pista dada nas declarações de Paes Loureiro e Rui Barata, acreditamos que o estudo dessa relação possui dois principais elos de ligação: A fase incipiente do rádio no Pará e o caráter transnacional do Merengue no Caribe.

Nas ondas do Rádio paraense, ficou claro que, devido ao estado de pouca estrutura de sua fase inicial, os usuários do Rádio, especialmente os do interior, estavam muito mais próximos das programações oriundas do Caribe do que das grandes Rádios nacionais, localizadas no sudeste brasileiro.

Com base na análise da literatura que estuda o Merengue no Caribe, concluímos que é considerando seu caráter transnacional, abrangendo vários países do Caribe que podemos entender como o gênero pode ter tido sua presença acentuada no Norte do Brasil. Essa onipresença, da qual goza o ritmo, aumentou bastante suas possibilidades de expansão pelas vias radiofônicas. Além disso, na primeira metade do século XX, o Merengue assumiu o posto de música nacional dominicana, passando a ser cultivado por todos os setores sociais. Com a ascensão da ditadura de Rafael Trujillo (1930-1960), o Merengue passou a ser peça fundamental na política cultural. O estímulo à produção e gravação do Merengue, enquanto meio de propaganda do Governo, não só trouxe como resultado a garantia de sua manutenção no poder, que durou 30 anos, mas também possibilitou o início de um grande processo de expansão do Merengue, seja por migração dos insatisfeitos, seja pelas frequências de Rádio.

Notas

1. música popular muito difundida na América Latina , especialmente na Argentina.

2. Frank Hatton Guerrero, engenheiro que na década de 20, como Presidente da Rádio Clube de santos Domingos construiu um pequeno transmissor de Amplitude Modulada ( AM ) inaugurando o primeiro sinal de transmissão do país.

3. Manuel Emilio Nanita, foi o gestor da Rádio oficial HIX, criada em 1928 pelo então Presidente Horácio Vasquez. Nanita ampliou bastante o sistema nacional de telecomunicações, tornando a República Dominicana um dos primeiros países da América Latina a incorporar a radiodifusão internacional.

Bibliografia

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LOUREIRO, João de Jesus Paes. Texto nº 5- Cultura na Amazônia. Curso de Especialização para Técnico Cultural. Secretaria da Cultura do Pará, Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves. Belém, 1989.

BARATA, Rui. Entrevista concedida ao Jornal Liberal.Belém do Pará. Setembro 1985

VIEIRA, Ruth e GONCALVES, Fátima, “Ligo o rádio para sonhar”, Coordenadoria da Prefeitura de Belém, 2003, Belém (PA).

Autor desconhecido. El merengue Dominicano.disponível em www.planetasalsa.ch/fileadmin/merengue_es.pdf

BATISTA MATOS, Carlos. Quem sabe do Merengue ?Notas sobre o
Merengue.www.bnrd.gov.do/cultura/notasmerengue.htm - 24k.

VERAS, Teo. Breve resenha histórica das radiodifusão na República Dominicana. www.portal.teoveras.com.do/index.2007

LIZARDO, Fradique. Instrumwentos musicales folklóricos dominicanos. Volum 1: idiófonos y membranófonos/esco,1998.Santo Domingo.